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A ICANN e o novo plano de extensão do DNS

18/01/2024

Daniel Oppermann

artigo

Publicado em: Revista Mundorama, Universidade de Brasília (UnB), 2023

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Resumo: Em sua última reunião, em outubro de 2023, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) apresentou um planejamento antecipado por partes da comunidade internacional da Internet por vários anos. O objetivo é concretizar a próxima extensão planejada do Sistema de Nomes de Domínio (DNS). Este artigo reflete sobre a situação atual do programa de extensão do DNS e o coloca em seu contexto histórico.

Em outubro de 2023, representantes da Diretoria da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) e do seu órgão Generic Names Supporting Organization (GNSO) se reuniram em Hamburgo (Alemanha) como parte da troca frequente de informações durante a reunião da ICANN na cidade. Um dos principais tópicos discutidos foi o planejamento da próxima extensão do Sistema de Nomes de Domínio (DNS). Sendo uma das principais organizações responsáveis pela preparação desse processo, a GNSO já havia enviado um plano algumas semanas antes, que foi considerado um documento importante para a preparação da extensão do DNS (ICANN, 2023). Em julho de 2023, a Diretoria da ICANN aprovou o plano de implementação, dando caminho para os próximos passos do processo. O projeto inteiro é uma versão revisada do primeiro programa de extensão do DNS de 2012, que levou a uma expansão sem precedentes da infraestrutura do DNS. Naquela época, o objetivo era implementar vários novos domínios genéricos de primeiro nível, que seriam gerenciados por organizações recém-criadas ou existentes (os chamados registros ou registries).

O Sistema de Nomes de Domínio

O Sistema de Nomes de Domínio, ou DNS, foi criado em sua versão original na década de 1980 (Mockapetris, 1987). Seu principal objetivo era possibilitar a introdução de números IP e sua conexão com nomes de domínio para garantir aos usuários da então emergente Internet acesso a um número crescente de servidores de rede. No final da década de 1990, a administração do DNS foi transferida para a recém-fundada ICANN, nos EUA. Na fase inicial da Internet comercialmente acessível, começou o aumento do registro de nomes de domínio por organizações públicas e privadas, bem como por pessoas físicas em várias partes do mundo. Um novo setor econômico de domínios, às vezes também chamado de indústria de DNS, concentrado principalmente em países ocidentais de alta renda, gerenciava esses domínios. Há dois tipos principais de extensões de domínio: genérico e código de país (gTLD e ccTLD). As extensões de domínio específicas de país são geralmente administradas nos respectivos países, enquanto as extensões de domínio genéricas geralmente não estão sujeitas a nenhuma especificação geográfica.

Além de ser usado para distribuir vários serviços e sites, também surgiu um braço especulativo do setor de domínios, concentrado em países ocidentais e de alta renda, no qual empresas e pessoas físicas registravam nomes de domínios selecionados e, assim, os retinham de usuários interessados para depois repassá-los com lucro (Coull et al., 2012). Alguns domínios genéricos de primeiro nível se mostraram particularmente atraentes para usuários e empresas, pois tinham grande reputação internacional. Esses domínios incluíam a extensão .com em particular, que ainda hoje é responsável por quase metade de todos os domínios registrados em todo o mundo (Bianchi, 2023).

Na década de 1990, houve um debate na comunidade ocidental da Internet sobre se o DNS deveria ser estendido para descentralizar a recém-criada concentração da administração de domínios comerciais. Deve-se observar que, na época, havia apenas poucos registros de domínios, alguns dos quais cobravam altas taxas para o registro de nomes. Por outro lado, havia uma comunidade de desenvolvedores pioneiros da Internet que queria possibilitar que uma grande massa de pessoas participasse da rede a baixo custo por meio do acesso àqueles nomes. Desde então, vários grupos de interesse da ICANN vêm debatendo a política de nomes de domínio, bem como outras questões técnica e politicamente relevantes relacionadas à Internet.

A Primeira Rodada do Programa de 2012

O programa de novos gTLDs foi lançado em 2012 depois anos de longos debates. O objetivo do programa era estender o DNS com um número não especificado de novos TLDs genéricos que seriam gerenciados por registros novos e existentes (Oppermann, 2014). Dentro da janela de solicitação, que era válida por apenas algumas semanas, 1930 solicitações de novas extensões de domínio foram enviadas à ICANN, incluindo 911 da América do Norte, 675 da Europa, 303 da Ásia e do Pacífico, 24 da América do Sul e 17 da África. Esses requerimentos foram então analisados usando um procedimento de análise previamente debatido e aprovado pela ICANN. Depois de vários anos, o processo terminou com mais de 1.200 novas extensões de domínio sendo adicionadas às 22 extensões de domínio genéricas existentes (por exemplo, .com, .org, .info). Essas extensões novas variavam de termos genéricos, como .store, .app e .blog, a nomes de cidades, como .rio, .tokyo e .capetown, e a nomes de marcas de empresas individuais. O conflito entre alguns representantes de estados sul-americanos e a empresa Amazon, que havia solicitado a nomeação do domínio correspondente e acabou vencendo a disputa, atraiu atenção internacional.

Um argumento frequentemente citado sobre a importância do programa de novos gTLDs foi o debate sobre os novos e futuros usuários da Internet, especialmente fora dos países industrializados tradicionais ou do mundo ocidental (Arora, 2019). Devido ao desequilíbrio econômico global, esses grupos de usuários só tiveram acesso à Internet tardiamente, depois que os principais participantes do mundo ocidental já haviam dividido as estruturas mais importantes entre si. Portanto, a criação de novos domínios de primeiro nível ofereceu a oportunidade de fornecer a esses usuários acesso adequado a conteúdo e estruturas da Internet nas suas regiões e idiomas. Por mais de 20 anos, foram feitas tentativas sob o slogan da inclusão digital (Reisdorf e Rhinesmith, 2020) para permitir que as sociedades pós-coloniais e/ou os países do Sul Global melhorassem sua participação na Internet. É importante que a participação não inclua apenas o consumo de serviços ocidentais ou em inglês. Assim, desde então, vários atores têm se esforçado para tornar as estruturas da Internet acessíveis aos países do Sul Global. O programa de novos gTLDs também foi promovido sob esse pretexto, além do interesse econômico da indústria de serviços já existente. Portanto, a introdução de novas extensões de domínio — inclusive em scripts não latinos, como árabe, chinês, hindi, persa etc. (Hwi, 2009) — deve garantir que os novos usuários esperados da Internet também possam registrar nomes de domínio relevantes para eles nas próximas décadas, já que quase não há termos relevantes disponíveis para registros de domínio nos espaços de nomes que existem desde a década de 1990.

Essa estratégia, que foi anunciada com muito entusiasmo, logo se deparou com a realidade da distribuição de recursos financeiros na comunidade global da Internet. A taxa de requerimento de US$ 185.000 em 2012 deixou claro que somente participantes financeiramente fortes e assim principalmente de países de alta renda poderiam participar do programa de novos gTLDs. O plano da ICANN de apoiar candidatos de países de renda média e baixa fracassou, pois havia pouco interesse no programa, especialmente no Sul Global, onde há comparativamente poucos atores econômicos no setor de DNS devido ao desenvolvimento histórico da Internet.

Como resultado, o desenvolvimento econômico em torno do programa de novos gTLDs de 2012 concentrou-se principalmente na América do Norte e na Europa. A publicação de novas extensões de domínio após longos debates e inúmeros mecanismos de resolução de conflitos reforçou o desequilíbrio já existente no setor de DNS da indústria da Internet. Nos anos seguintes, houve uma consolidação do setor de DNS no Norte Global, onde alguns dos participantes financeiramente fortes compraram seus concorrentes ou assumiram suas extensões de domínio. Isso concentrou ainda mais o setor. Os investimentos chineses, em particular, ajudaram a Ásia a expandir sua presença no setor de DNS, enquanto a América Latina e a África ficaram quase totalmente de fora.

A Próxima Rodada do Programa

A comunidade da ICANN vem debatendo a possibilidade de uma segunda rodada do programa de novos gTLDs há vários anos. As discussões começaram no final da primeira rodada, mas foram necessários vários anos para que decisões concretas pudessem ser tomadas. O plano apresentado agora pela ICANN para a implementação da segunda rodada sinaliza claramente para a comunidade da Internet e para o setor de DNS em particular que a extensão do Sistema de Nomes de Domínio ocorrerá em alguns anos. Embora o início oficial da aceitação de solicitações em 2026 não seja iminente, a complexidade do processo torna necessário fazer preparativos extensos. O plano atual aponta para várias lições aprendidas durante a primeira rodada do programa de extensão do DNS que foram consideradas como necessitando de melhorias. Isso inclui medidas apoiadas pela ICANN para as partes interessadas afetadas que enfrentariam barreiras financeiras e estruturais para participar do programa. No entanto, a redação pouco clara do documento da ICANN dá margem a interpretações. As desigualdades no setor do DNS frequentemente criticadas no passado sugerem que isso se refere principalmente aos países do Sul Global. Já foram adotadas medidas semelhantes no passado. Mecanismos de suporte também foram planejados na primeira rodada do programa, mas, no final, eles não tiveram influência efetiva sobre a distribuição desigual do setor de DNS em todo o mundo.

Referências

Arora, Payal. 2019. The next billion users: digital life beyond the West. Cambridge: Harvard University Press.

Bianchi, Tiago. 2023. “Market share of leading TLDs worldwide 2023”. Statista. https://www.statista.com/statistics/265677/number-of-internet-top-level-domains-worldwide/

Coull, Scott E., Andrew M. White, Ting-Fang Yen, Fabian Monrose, e Michael K. Reiter. 2012. “Understanding Domain Registration Abuses”. Computers & Security 31 (7): 806–15.

Hwi, Chun Eung. 2009. “Observations and Comments on the Discussion of IDN TLDs in ICANN”. Journal of Policy Studies 24 (2): 133–36.

ICANN. 2023. “The New gTLD Program: Next Round Implementation Plan”. ICANN. https://newgtlds.icann.org/sites/default/files/new-gtld-next-round-implementation-plan-31jul23-en.pdf

Mockapetris, Paul. 1987. “Domain Names — Concepts And Facilities”. Network Working Group RFC 1034. https://www.ietf.org/rfc/rfc1034.txt

Oppermann, Daniel. 2014. “A ICANN, o modelo multissetorial e o programa de novos domínios genéricos”. Fonte, Governança da Internet, 11 (14): 63–69.

Reisdorf, Bianca, e Colin Rhinesmith. 2020. “Digital Inclusion as a Core Component of Social Inclusion”. Social Inclusion 8 (2): 132–37.