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As controvérsias sobre a criação de uma zona de segurança internacional no norte da Síria
03/12/2019
Daniel Oppermann
No início de outubro de 2019, a Turquia lançou uma ofensiva militar no norte da Síria. Após ataques aéreos em cidades individuais controladas por curdos, tropas turcas cruzaram a fronteira com a Síria para assumir o controle do território. Anteriormente, os EUA haviam se retirados da região, entregando assim seus aliados curdos à Turquia.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 3,6 milhões de refugiados da Síria atualmente vivem na Turquia. Em março de 2016, a União Europeia havia apresentado à Turquia um acordo sob o qual Ancara deveria impedir a passagem de refugiados para a União Europeia. Em troca, a UE garantiu Ancara apoio financeiro, assim como novas negociações para aproximar o país do bloco.
Os movimentos migratórios da Síria para a UE e, em particular, para países da Europa Ocidental, nos últimos anos levaram a intensos conflitos políticos na Itália, Áustria, Alemanha, Grécia e outros países da UE. Através do acordo com a Turquia, a UE está tentando remover essas tensões de seus estados membros. Ao mesmo tempo, receber 3,6 milhões de pessoas é um grande desafio para a Turquia, país que sofreu com o aumento da inflação, com sua moeda enfraquecida e com um aumento do desemprego.
Com a invasão do norte da Síria, a Turquia está tentando combater as milícias curdas que vivem naquela área e quer criar uma região para o assentamento de refugiados sírios localizados na Turquia. Ancara está tentando reduzir as tensões em seu próprio país e, ao mesmo tempo, age contra as tropas curdas. Por décadas, a Turquia está em conflito armado com grupos curdos em seu próprio país, um conflito que também matou civis. Na visão de Ancara, as milícias curdas armadas na área da fronteira sírio-turca representam uma ameaça para a Turquia, especialmente porque, segundo o governo turco, elas estão indiretamente relacionadas à organização curda PKK, que é proibida na Turquia. No curso da guerra civil na Síria, grupos curdos no norte do país administraram algumas regiões e participaram ativamente da luta contra o Estado Islâmico. Depois que os EUA se retiraram da região neste mês, as tropas curdas se aproximaram do exército sírio do presidente Bashar al-Assad, incluindo também a Rússia na nova situação de conflito. Após negociações entre os presidentes Putin e Erdogan, Moscou enviou tropas para a região para garantir a retirada dos curdos em áreas de interesse de Ancara. Ao mesmo tempo, Erdogan garantiu conter o avanço das tropas turcas.
As ações de Ancara criaram uma nova situação na Síria em um espaço de duas semanas, o que pode alimentar ainda mais o conflito na região. No início da invasão turca, surgiram temores de que um contra-ataque do exército sírio na Turquia pudesse envolver a OTAN no conflito, pois caso aconteça um ataque a um membro da OTAN, outro aliado poderia ajudar na defesa do país. Após esse risco foi diminuido, também pela mediação da Rússia, a ministra da Defesa alemã Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) iniciou um novo debate. Em 21 de outubro, ela falou sobre a importância de uma zona de segurança internacional no norte da Síria envolvendo também a Rússia e a Turquia. O anúncio de AKK de promover a participação militar dos parceiros ocidentais surpreendeu não apenas o governo alemão, mas também os parceiros da aliança ocidental, que não haviam sido informados anteriormente sobre a proposta.
A decisão de AKK, não conversada previamente, de agir militarmente na Síria, foi recebida nos dias seguintes no governo alemão, na oposição e também na OTAN com pouco entusiasmo. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas (do Partido Social-democrático Alemão, SPD), que também não foi informado pelo Ministério da Defesa sobre a proposta, não estava convencido das ações de AKK. A chanceler Angela Merkel, por outro lado, apoiou a iniciativa de AKK, desde que essa ocorra no âmbito das Nações Unidas. O Parlamento Europeu passou uma resolução em favor da criação de uma zona de proteção internacional. Em seguinte, o Ministério da Defesa alemão anunciou que a Alemanha poderia participar de uma missão internacional com 2500 soldados. Assim, a região do norte da Síria deve ser dividida em diferentes setores, que devem ser controlados pelas tropas participantes da missão.
A decisão da ministra alemã de apresentar uma proposta militar para a Síria sem consultar seus parceiros de outros governos pode ser vista como um movimento constrangedor mas também como passo estratégico para se tornar a chefe do governo alemão. AKK, que até alguns meses atrás era a chefe de governo de um dos menores estados alemães (Saarland), foi, sob a confiança de Angela Merkel, eleita para a presidência da União Democrática Cristã, partido da chanceler, há menos de um ano. Somente em julho de 2019 ela assumiu o Ministério da Defesa, mesmo sem ter o conhecimento necessário. Nos meses seguintes, ela chamou atenção também com uma série de declarações controversas. Politicamente afiliada e apoiada pela Chanceler, ela é considerada candidata (polêmica) à eleição do próximo Chanceler Federal em 2021.
Nos últimos meses, também houve especulações de que a crise do atual governo alemão poderia levar ao colapso da coalizão CDU / SPD e a novas eleições prematuras. De qualquer forma, a decisão de AKK de propor por si uma missão militar não contribuiu para estabilizar o governo da coalizão em Berlim. Além disso, seu pedido anterior de maior controle da Internet foi entendido pelos membros de seu partido e pela oposição como uma tentativa de restringir a liberdade de expressão. O novo conflito iniciado por AKK pela criação de uma zona internacional de segurança na Síria também pode contribuir pelo fim antecipado do governo alemão.